De repente se pegou pensando sobre o barulho que seus ossos fariam se pulasse
sobre qual seria o som de suas veias se rompendo com o impacto contra o concreto
se seria audível o ruído de seus pulmões se esmagando no asfalto
não tinha desejo de morrer, só de descobrir qual seria o som, o gosto e o peso de sua alma saindo do corpo
sua pele pedia um apoio, o senso do toque que havia perdido em algum lugar em meio as inúmeras e inconstantes turbulências de afeto que cultivara ao longo dos anos
queria descobrir o que ocorria com suas hemácias no momento do impacto
como se comportavam seus intestinos, rins e bile
se haveria paz, nem que somente no ponto de encontro entre a morte e o asfalto
estava inquieto, confuso, envolvido em linhas de pensamento que seriam por demais complexas se traduzidas em palavras
ao menos que soubesse a resposta para suas recém criadas dúvidas seria incapaz de persistir
talvez devesse mesmo pular, pensou
seria ao menos agradável sentir o vento nos cabelos pelos breves segundos em que voaria de encontro ao chão
mas se o fizesse, talvez jamais descobrisse a resposta
a existência na ignorância lhe parecia uma noção assustadora, mas a inexistência na ignorância soava ainda pior
não, não iria se jogar, além de tudo não queria incomodar seus vizinhos
a garota ao final do corredor de seios fartos, o senhor ao lado que cultivava costeletas, a idosa que alimentava os pombos
eram todos tão gentis com ele
se pulasse teriam de dar explicações para a polícia, jornais, outros vizinhos e para os amigos dos vizinhos de outro prédio
seria por demais injusto
não, eles não mereceriam isso, não depois de já terem aturado o constante nível de barulhos absurdos que saiam de seu recinto sem reclamarem
ao invés ele desdobrou uma solução
subiu ao parapeito e abriu bem os braços, em formato de cruz, encarando a cidade que dormia
respirou fundo e o fez, só que quem pulou não fora ele
era sua alma que se atirou do décimo quinto andar, e sorriu ao sentir o vento frio contra as sobrancelhas
ao se esmagar no chão nenhum barulho se fez, e o vazio era tudo que restou
desde então, viveu sem perdão
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