100 para 1

Wednesday, December 30, 2009
Posted by UD

o gosto é diferente do que se imagina


é mais doce que o esperado, vai além da simples secura da pedra comum

talvez seja o pixe, mas só se consegue apreciá-lo após contínua exposição das papilas gustativas

foi depois dos primeiros dez minutos que me ocorreu a sensação

a língua estendida sobre o asfalto enquanto meu corpo todo vai pra frente e pra trás, pra frente e pra trás, no ritmo das estocadas 

ele é do tipo que ainda conserva um pouco a consciência, não tem coragem de me olhar nos olhos, prefere satisfazer-se por trás, com o canivete desafiado pressionado contra minha aorta

sei que é gordo por causa dos dedos largos que vez ou outra dedilham meus mamilos com a ineficiência de um adolescente, e também pela sua imensa inércia que leva meu corpo quase 40 centímetros pra frente a cada novo avanço

não me parece muito bem dotado, mas talvez seja só a tensão, gerada pela ilegalidade do ato que lhe cause um encolhimento parcial, se é que isso existe

ele é meu número 79, fazendo com que posteriormente faltem apenas 21 para que se complete o ciclo

é  karma 

li em algum lugar que para superar um trauma é preciso se expor ao mesmo o máximo de vezes o possível antes de enfrentá-lo de frente

recomenda-se o número 100 pela seu óbvio potencial místico

mas a verdade é que já me acostumei a partir do trigésimo, e agora estou apenas cumprindo tabela

quando ocorreu da primeira vez, fiquei meses sem sair de casa, adotando o comportamento que aprendi nessas séries de TV

não falava com ninguém, usava roupas compridas e absolutamente nada provocantes, ouvia música clássica e tomava anti-depressivos

eventualmente perdi o emprego, os poucos amigos e até mesmo o gosto pela culinária e pela experimentação com o paladar

até que decidi mudar a abordagem, já que não tinha lá muito a perder

em uma noite de quarta-feira coloquei o vestido mais curto que tinha, salto alto, maquiagem e me derramei no frio da noite como uma qualquer

frequentei todos os becos que pude pensar e quando estava prestes a desistir da empreitada, o número 2 apareceu

foi desagradável, obviamente, mas descobri nas noites de quarta a minha forma ideal de terapia

desde então isso se tornou um hábito, e assim será até que eventualmente eu possa completar os  100

enquanto isso o 79 geme atrás de mim, finalmente ejaculando na minha coxa

ele treme como um porco por algum tempo, deixando sua carcaça gorda me comprimir contra o chão

depois de algumas baforadas na minha nuca ele coloca mais uma vez o canivete em meu pescoço

me jura de morte caso eu vá a polícia, diz que sabe onde moro, o papo de sempre

já um pouco sem paciência dou-lhe um tapa na mão e o afasto com uma cotovelada no nariz

já de pé ajeito o vestido sobre os seios e limpo, com um panfleto político que estava esquecido na sarjeta, o esperma da minha coxa

ele me olha, assustado

não consigo deixar de sorrir diante de sua figura patética

parece uma criança gigante, os olhos lacrimejando e as mãos sobre o nariz

seu sangue pinga no asfalto, e provavelmente estraga o gosto do mesmo

me afasto com passos calmos

quarta que vem será o 80, e estarei um dia mais próxima de entender completamente o que ocorreu comigo

a vida no entanto, nunca deixará de ser um completo mistério

pelo menos para mim

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