o gosto é diferente do que se imagina
é mais doce que o esperado, vai além da simples secura da pedra comum
talvez seja o pixe, mas só se consegue apreciá-lo após contínua exposição das papilas gustativas
foi depois dos primeiros dez minutos que me ocorreu a sensação
a língua estendida sobre o asfalto enquanto meu corpo todo vai pra frente e pra trás, pra frente e pra trás, no ritmo das estocadas
ele é do tipo que ainda conserva um pouco a consciência, não tem coragem de me olhar nos olhos, prefere satisfazer-se por trás, com o canivete desafiado pressionado contra minha aorta
sei que é gordo por causa dos dedos largos que vez ou outra dedilham meus mamilos com a ineficiência de um adolescente, e também pela sua imensa inércia que leva meu corpo quase 40 centímetros pra frente a cada novo avanço
não me parece muito bem dotado, mas talvez seja só a tensão, gerada pela ilegalidade do ato que lhe cause um encolhimento parcial, se é que isso existe
ele é meu número 79, fazendo com que posteriormente faltem apenas 21 para que se complete o ciclo
é karma
li em algum lugar que para superar um trauma é preciso se expor ao mesmo o máximo de vezes o possível antes de enfrentá-lo de frente
recomenda-se o número 100 pela seu óbvio potencial místico
mas a verdade é que já me acostumei a partir do trigésimo, e agora estou apenas cumprindo tabela
quando ocorreu da primeira vez, fiquei meses sem sair de casa, adotando o comportamento que aprendi nessas séries de TV
não falava com ninguém, usava roupas compridas e absolutamente nada provocantes, ouvia música clássica e tomava anti-depressivos
eventualmente perdi o emprego, os poucos amigos e até mesmo o gosto pela culinária e pela experimentação com o paladar
até que decidi mudar a abordagem, já que não tinha lá muito a perder
em uma noite de quarta-feira coloquei o vestido mais curto que tinha, salto alto, maquiagem e me derramei no frio da noite como uma qualquer
frequentei todos os becos que pude pensar e quando estava prestes a desistir da empreitada, o número 2 apareceu
foi desagradável, obviamente, mas descobri nas noites de quarta a minha forma ideal de terapia
desde então isso se tornou um hábito, e assim será até que eventualmente eu possa completar os 100
enquanto isso o 79 geme atrás de mim, finalmente ejaculando na minha coxa
ele treme como um porco por algum tempo, deixando sua carcaça gorda me comprimir contra o chão
depois de algumas baforadas na minha nuca ele coloca mais uma vez o canivete em meu pescoço
me jura de morte caso eu vá a polícia, diz que sabe onde moro, o papo de sempre
já um pouco sem paciência dou-lhe um tapa na mão e o afasto com uma cotovelada no nariz
já de pé ajeito o vestido sobre os seios e limpo, com um panfleto político que estava esquecido na sarjeta, o esperma da minha coxa
ele me olha, assustado
não consigo deixar de sorrir diante de sua figura patética
parece uma criança gigante, os olhos lacrimejando e as mãos sobre o nariz
seu sangue pinga no asfalto, e provavelmente estraga o gosto do mesmo
me afasto com passos calmos
quarta que vem será o 80, e estarei um dia mais próxima de entender completamente o que ocorreu comigo
a vida no entanto, nunca deixará de ser um completo mistério
pelo menos para mim
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