próxima parada

Sunday, January 30, 2011
Posted by UD

dizem que toda mulher leva seus segredos em uma bolsa.

eu prefiro escondê-los em um sorriso.
assim, sentada no metrô, ninguém tem idéia de quem eu sou.
tento sempre usar maquiagem, mas não muita, pra esconder a palidez sem chamar tanta atenção.
é estranho o quão essas banalidades me parecem atrativas depois de tanto tempo.
você provavelmente não entende nada não é?
não desse jeito que falo, sou péssima pra explicar as coisas.
bom, se algum dia me conhecer você deve entender, ao menos é isso que eu espero.
mas ali, no chacoalhar do vagão eu prefiro assistir aos rostos.
são normais, alguns felizes até.
mas quem eu realmente espero só vai entrar na próxima parada.
não sei bem como o processo todo funciona, mas sei o suficiente pra saber o que vai acontecer.
era mais difícil no começo, e admito que estou até me apegando um pouco a essa minha relativamente nova ocupação.
mas por enquanto, assisto rostos.
singelos, alguns cheios de esperança, outros nem tanto.
não me notam, nunca me notam, ali, junto deles.
não é que queiram me ignorar, mas se realmente me vissem ali, se olhassem fundo nos meus olhos, não saberiam como continuar.
o rádio anuncia o nome da próxima parada.
algum balbucio rouco que ninguém entende, mas todos já sabem onde essa linha vai dar.
os freios hesitam, mas conseguem aos poucos parar o trem velho, causando um pouco de inquietude em alguns.
existem dois ou talvez três esperançosos no vagão, desses que sonham com uma jornada contínua.
um lugar de paz absoluta e existência eterna.
um lugar de trilhos infinitos.
o rosto dela é desses.
bochechudo e iluminado pela crua expectativa de uma vida fantástica.
também pudera, tão jovem assim, não haveria de saber que os trens sempre param, que toda linha eventualmente acaba.
ela me vê, e sua mãe se senta a sua frente, cerca de três metros a minha esquerda.
ela sorri pra mim, brincando de se balançar em um dos corrimãos verticais do vagão.
o trem começa a se mover novamente, com a sutileza de movimentos de suas sobrancelhas, eu noto que ela começa a entender a situação.
me estende uma mão, parecendo querer comprar alguns momentos a mais sendo minha amiga.
infelizmente, não estou aqui pra fazer amizade.
ainda assim sorrio de volta, mais por educação que outra coisa.
ela olha pra mãe, que a ignora assim como a mim.
eu sei o que vai acontecer, e enquanto toco sua mão, sei que ela compreende.
ela é nova demais, eu sei, mas também não estou aqui pra fazer perguntas.
ela me olha de novo, sem lágrimas ou apelos, é madura pra idade.
o freio, antes hesitante, morde o trilho de uma vez só, fazendo a inércia de todos disputarem espaço no ar do vagão.
seguro forte sua pequena mão na minha, enquanto voamos em câmera lenta pelo vidro lateral do metrô.
para os outros, tudo é muito rápido, só um susto.
tateiam-se, a procura de cortes, respiram fundo, alguns até sorriem.
ela não se move.
está comigo agora.
e não importa os apelos desesperados de sua mãe sobre seu crânio aberto.
ela não vai mais soltar de minha mão.

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