o solucionador

Tuesday, November 17, 2009
Posted by UD

o garoto não devia ter muito mais de 20 anos


sentava-se de frente a mim e dava um sorriso que só os jovens conseguem dar

cheio de confiança, esperança, planos

pra alguém como eu isso poderia ser motivo de riso, mas rir não me é agradável, força as gengivas e exige esforço facial desnecessário

na minha idade, é melhor que guarde os sorrisos para as situações onde são realmente necessários

desde minha aposentadoria oficial, por volta de 2 anos, eu venho exercendo essa atividade paralela

no começo só para alguns velhos conhecidos de profissão, mas a palavra se espalhou e logo eu estava atendendo a pelo menos 3 pedidos por semana

alemães, japoneses, coreanos, irlandeses

todos se tornavam meus clientes, e o que era pra ser um passatempo destinado a engordar a minha já obesa conta bancária, se transformou em um ofício integral

somente alguém com vasta experiência de campo pode entender as mazelas as quais um atuante do meio esta sujeito

por ser obviamente um trabalho que lida diretamente com o imprevisível, um encontra-se sempre diante de situações que lhe fogem do controle, e deve rapidamente se adaptar para que obtenha êxito na devida execução de seu ofício

o que eu providencio, e o faço com primazia de 2 anos pra cá, são os meios para que isso seja facilitado em inúmeros fatores

analiso cada caso em especial, e decido, juntamente com o cliente, o devido método de trabalho, providenciando as ferramentas apropriadas para a execução do mesmo, ferramentas estas que por sua vez foram inúmeras vezes por mim empregadas em meus anos na ativa

em outras palavras, sou uma espécie de consultor de luxo, e portanto meus honorários são altos

o que me irrita é ver um rapaz como esse entrar em meu escritório, exalando superioridade, caminhando como se fosse dono do mundo

há de se convir que, principalmente nessa idade, a profissão lhe concede um senso de auto-confiança que por vezes pode ser considerado demasiadamente intenso, mas deve-se manter atento para as pessoas a quem se deve respeitar, e esse moleque evidentemente ainda não sabia disso

se soubesse iria prestar a devida reverência a um aposentado com mais de 50 anos de carreira.

um amador eu diria, uma vez que expôs seu plano prévio com tamanha arrogância que só os obtusos podem angariar

o seu alvo era uma dama da alta sociedade escocesa, um contrato pequeno , 300 mil,  e seria o terceiro do jovem incauto

suas intenções eram simples, utilizar-se de uma arma de longo alcance e estourar o cérebro da senhora quando a mesma se aproximasse da janela

disse que se fosse por ele não teria perdido seu tempo vindo aqui, mas seu pai era um velho conhecido meu e insistira, para não causar comoções familiares, ele decidiu me visitar

em respeito ao seu pai eu decidi ajudá-lo.

me inclinei pra frente, bebi de um copo de conhaque e lhe perguntei o óbvio

já que a supracitada dama morava em um palacete isolado nas montanhas próximas a Edimburgo como iria ele se colocar em posição privilegiada para que pudesse manter vigília constante das mais de 94 janelas da casa?

e ainda pior, como iria ele ter a certeza de que a tal senhorita iria se aproximar de uma janela em algum momento?

ou até mesmo a mais básica pergunta de todas

como iria ele escapar após ter disparado e eliminado seu alvo?

ele me olhava com assombro, o sorriso havia desaparecido, talvez ainda haja alguma esperança para esse garoto

era evidente para ele que havia cometido um erro ao me julgar pela idade

sua cabeça pendeu para baixo e ele logo se pós de pé, andando de um lado ao outro da sala

estava nervoso, o prazo de seu contrato se expirava em duas semanas, e ele não queria viver pra ver o nome da família, que tinha extensa tradição na área, ser jogado a lama pelos seus erros de cálculo

era realmente ingénuo, pois se não cumprisse com o acordo, definitivamente não iria viver para ver mais nada, não existem segundas chances nesse mercado.

o puxei pelo braço e o guiei até o meu escritório

ainda tínhamos muito trabalho pela frente

3 semanas depois eu li no jornal que a Escócia chorava a perda de uma bela dama, acometida de uma misteriosa doença que lhe causara morte súbita

não pude deixar de achar graça, mas ainda prefiro guardar os sorrisos para as ocasiões em que realmente importam



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