não é o tempo por si só que me incomoda.
não, definitivamente não.
confesso que sua velocidade mutante por vezes me deixa perplexo, mas não é nada que eu não seja capaz de contornar.
os passos no assoalho, esses sim não me são de agrado.
além de serem ecos pontiagudos reverberando em meus tímpanos, são inconstantes.
toc, toc, toc, toc.
sempre acompanhados de incerteza.
talvez devesse caminhar de meias, mas me assusta a possibilidade de contado com os germes do chão sujo.
tudo bem, talvez eu seja exageradamente asseada, mas germes costumam tirar o sono.
e se formos parar pra pensar, de quem não tirariam?
aposto que, se analisados em um potente microscópio, descobriria-se que todos esses desprezíveis e diminutos seres vivos estão caminhando sobre o assoalho com um sapato irregular.
um milhão de toc tocs por segundo.
isso não é um pensamento saudável para ninguém.
em meu escritório mantenho, debaixo de minha mesa, um pequeno armário diariamente atualizado, contendo a mais nova e eficaz arma contra os malditos.
os meus clientes sempre elogiam o estado do local.
as superfícies brilham, o carpete é impecável, só o cheiro que ultimamente não vem sido motivo de bons dizeres.
tudo por culpa do senhor Euclides, creio eu.
Euclides tinha me procurado com o intuito de tecer um contrato pre-nupcial com sua noiva.
era um homem bonito, de boa idade e apresentável.
milionário, obviamente.
a noiva era uma dessas menininhas de faculdade, sem senso ou porquês, e logo se entediou com as reuniões.
portanto, o senhor Euclides, passou a me visitar sozinho.
as reuniões se estendiam por mais alguns momentos do que o normal, onde algumas conversas informais se faziam presentes.
no entanto, em nossa sétima reunião algo inesperado aconteceu.
no meio da conversa, Euclides tirou, do bolso interno do paletó, uma barra de cereais.
chocada o olhei com reprovação, mas devido a minha ineficiência com expressões faciais a mensagem de repúdio não atingiu seu receptor.
a cada dentada de seus dentes brancos, pequenas migalhas voavam milímetros para os lados, aterrizando suaves na maciez no carpete branco, o barulho ecoando alto em minha cabeça.
toc, toc, toc, toc.
crac, crac, crac.
notando meu olhar e o mau interpretando, ele me ofereceu uma mordida.
forcei um sorriso murcho e lentamente tateei a porta do armário.
mais uma mordida, e o infeliz agora falava de boca cheia, pedaços de aveia e seres microbióticos pendiam de seu bigode.
minhas mãos abriram a porta do armário e silenciosamente os dedos percorreram pelas infindáveis garrafas de desinfetante , procurando a arma certa.
finalmente, com o vidro em mãos, eu disparei.
o spray o atingiu logo abaixo do nariz, e ele me olhou assustado.
10 segundos depois seu corpo foi ao chão.
spray de clorofórmio, eu não brinco quando digo que tenho em meu armário uma arma contra todo tipo de germe.
demorei um pouco pra arrastar seu corpo até o banheiro.
tenho um banheiro amplo, azulejos duplamente esmaltados, facílimo de limpar.
nele tenho outro armário, mas dessa vez de ferramentas.
Euclides não havia sido o primeiro a cometer o disparate de comer em minha sala.
lhe sufoquei com as mãos, tomando cuidado para não cravar-lhe as unhas no pescoço, não queria sua pele e ácaros embaixo de minhas cutículas.
a minha secretária, Esther, é muito competente, e sempre trabalha após o expediente.
tive de praticamente forçá-la a ir embora mais cedo, depois de cancelar meus compromissos pelo dia.
tive de limpar o corpo nu e flácido do homem com alcool e detergente industrial.
só então comecei a serrar os membros.
demorei a noite toda, e depois de devidamente separá-los em sacos de lixos duplamente reforçados, eu tive de tomar um banho.
tenho um chuveiro de potência militar no escritório.
me sugeriram comprar um ofurô, mas mergulhar em uma sopa quente de suas próprias bactérias não me parece ser muito relaxante.
o cheiro vem dos dois últimos sacos que ainda mantive.
acho que ainda gosto da compania do senhor Euclides, e assim sei que ele não vai espalhar migalhas.
o odor não é dos melhores, admito, de qualquer forma, não é nada que uma essência de eucalipto não resolva.
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