nenhuma outra sensação é mais desesperadora do que a súbita percepção de que seu sistema digestivo irá, na iminência da mais sútil oportunidade, completar seu ciclo natural fora do socialmente aceito local determinado
somente quem já passou por tal sofrimento pode compreender a densa tensão sentida a cada leve movimento, a súbita preocupação em manter no rosto uma expressão alegre, o pavor gerado por conversas estendidas e festas povoadas, a sensação fria que se percebe nas extremidades dos membros e o suor gelado que brota dos poros
no entanto em tal situação algo interessante nos ocorre, o indivíduo tem automaticamente o aumento de sua percepção sensorial a um nível que faz frente ao de grandes felinos
cada som, inclusive os estomacais internos, lhes chega aos ouvidos amplificado, sempre na busca de algum comentário em sussurros que algum infeliz possa vir a fazer sobre sua tão inaudível e inevitável liberação gaseifica em algum dos cantos do salão
sua visão se torna mais afiada, na busca ativa por alguma mínima oportunidade de fuga ou perigo de aprisionamento que venha a surgir diante dos sempre movimentados globos oculares
o cérebro processa o dobro da capacidade normal, colocando a conduta social no piloto automático de sorrisos e simpatia enquanto paralelamente coordena uma batalha épica contra seu estômago para evitar uma tragédia mal-cheirosa, fazendo uso do tão útil e aliado esfíncter para segurar dentro o que não deve ainda se colocar para fora
esse estado de letargia desesperada é único e inerente da raça humana, uma vez que vacas, cavalos, aves e jacarés o fazem em seus meios sem a menor consideração ao próximo, mantendo-se centrados em suas rotinas instintivas e guiando a vida adiante
é exclusiva da nossa espécie essa crescente ansiedade e também a exímia habilidade de mascarar esses impulsos orgânicos
conseguimos manter a serenidade externa mesmo quando estamos a dois segundos de nos esvair em contorções e constrangimento.
é nossa essa maneira única de se relacionar com algo que nos deveria ser tão natural
e essa imensa gama de problemas que se geram a partir dessa situação de dogma social é muito mais prejudicial do que uma simples "defecada" nas calças, uma vez que eleva de forma considerável ao mesmo tempos os níveis de pressão sanguínea bem como a quantidade de impulsos elétricos produzidos pelo cortéx cerebral
o ser humano definitivamente deveria rever sua relação com a merda
1 comments:
Eh Thiagão, descreveu bem. Minunciosamente. Quem nunca passou por uma situação dessas eim?
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